Transportes públicos ou privados?
"Nos transportes públicos anuncia-se que o actual aumento, em média de 15% mas que chega aos 20% no transporte rodoviário no Porto e aos 25% no ferroviário em Lisboa [1], pode não ser o último do ano. Não se conhece qualquer estudo relativo aos impactos que estes aumentos poderão ter nas empresas de transportes cujas contas supostamente se quer equilibrar. Neste tempo de menorização dos cidadãos e infantilização da democracia fala-se muito de contas, mas em vez de se considerar que a sua prestação implica apresentar cenários e explicar as opções feitas, recorre-se ao papão-remata-conversas do regime austeritário: «Está no Memorando da Troika!».
Sabe-se, contudo, que as dificuldades financeiras dessas empresas, que em alguns casos até tiveram com a crise um aumento muito significativo do número de passageiros, se devem menos a défices tarifários do que ao facto de terem sido obrigadas, por falta de investimento público, a pagar despesas de funcionamento e de construção de infra-estruturas recorrendo a créditos bancários cujos juros as atiram agora para situações deficitárias [2]. Os sindicatos dos transportes têm repetidamente chamado a atenção para esta situação, que à sua escala tem contornos muito esclarecedores sobre o drama da crise da dívida que o país enfrenta, prisioneiro da financeirização da economia e da abdicação por parte dos governos da utilização da Caixa Geral de Depósitos como verdadeiro vector de crédito público."
Sandra Monteiro, Os transportes da austeridade: http://pt.mondediplo.com/spip.php?article820
Há mais de um ano:
"Para se entender a contestação em curso, a privatização da linha de Sintra, segundo a Comissão de Utentes é necessário analisar com objectividade e rigor as experiências de privatizações não só em Portugal como na Europa.
Para a Comissão de Utentes da Linha de Sintra em Portugal a privatização da Rodoviária Nacional (RN), foi o caso mais paradigmático de privatizações de transportes no País.
Acontece que as empresas privadas que ocuparam o espaço da RN, numa perspectiva de aumentarem os lucros, procederam a uma brutal redução na oferta, donde resultou um atentado à mobilidade dos portugueses – contrário à nossa Constituição e ao próprio direito comunitário – que veio a cercear os cidadãos em direitos que se prendem com a sua qualidade de vida: o acesso à saúde, à cultura, ao lazer, ao desporto, à educação, etc.
Incompreensivelmente, esta é uma situação tolerada pelos governos, que não só não dão posse à Autoridade Metropolitana de Transportes como não fiscalizam a qualidade dos transportes oferecidos por estas empresas, o que é inadmissível em termos de reflexos económicos, ambientais e sociais que tem.
Mesmo no concelho de Sintra o isolamento das populações é um dado indesmentível, com as empresas rodoviárias, com o beneplácito do Estado, a empurrar para a utilização do transporte individual, o que redunda em maior poluição e importação de combustíveis fósseis, com incidências negativas na nossa balança comercial e na nossa dívida externa.
Foi tendo isso em conta que a Comissão de Utentes da Linha de Sintra defendeu publicamente a necessidade de ser posta ao serviço dos portugueses uma Rede Nacional de Transportes, com grande prevalência do transporte ferroviário por ser o menos poluente. E denunciou a disponibilidade do anterior Governo para comprar taxa poluidora à Rússia (três mil milhões de euros) pelo facto do nosso país não estar a cumprir o que tinha ficado acordado no Protocolo de Quioto. Pensamos que neste campo da mobilidade dos portugueses se tem verificado uma grande falta de visão dos governos. Se fosse disponibilizada a importância devida estamos certos que daria para a implementação da referida Rede de Transportes Colectivos, com todos os benefícios que isso traria ao país.
Outro erro que temos vindo a apontar foi ter-se impedido que a CP pudesse concorrer à linha ferroviária explorada actualmente pela Fertagus/Barraqueiro. Acontece que quem viaja nesta linha paga quase o dobro do que pagam os utentes da Linha de Sintra por igual número de quilómetros, com a agravante desta empresa não aceitar o sistema do passe social, apesar de ter recebido em 2009 doze milhões e meio de euros de indemnizações compensatórias pelo serviço público que deveria ter prestado. Em nada mais nada menos do que 5 anos, a FERTAGUS recebeu a módica quantia em indemnizações compensatórias de quase 169 milhões de euros.
Enquanto isto, as indemnizações compensatórias não são entregues à CP pelo Estado de acordo com o indiscutível serviço público que realiza. O Tribunal de Contas, no seu relatório de 2002, foi ao ponto de referir que as empresas privadas estão a receber indemnizações compensatórias em detrimento do que a CP deveria receber. A CP teve um défice de 280 milhões de euros nos seus resultados de 2008, sendo que metade desta quantia refere-se a encargos financeiros contraídos para colmatar dificuldades de liquidez motivadas pelo facto do Estado não cumprir as suas responsabilidades perante esta empresa pública.
Na nossa óptica, o transporte deve ser um serviço público de qualidade, a preço acessível e não penalizador para o orçamento familiar dos portugueses, que já gastam em transportes 14% do seu orçamento."
Continua: Jornal de Sintra: http://www.jornaldesintra.com/2010/06/capa-11-04-2010-linha-de-sintra-em-debate/
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