Para todos aqueles que andam baralhados com as opiniões e afirmações e contra-informações acerca da destruição, em 25 de Junho 2013, da Horta do Monte (ou Hortas da Cerca da Graça) pela Câmara Municipal de Lisboa, aqui fica, ponto por ponto, o rebatimento das «
8 verdades inconvenientes» que o arquitecto paisagista Duarte d'Araújo da Mata elabora acerca deste "processo virtuoso" (nas suas palavras), acusando os hortelãos expulsos e agredidos de "campanha difamatória". O leitor decida pois quem é difamatório, demagogo e desonesto.
1 -
DAM dixit: «1 - A área alvo de limpeza durante o dia de ontem vão ser hortas urbanas públicas e todos os hortelãos que costumavam utilizar aquele terreno foram convidados a nelas participar»
Sob o manto dúbio da expressão «hortas urbanas públicas», Duarte d'Araújo Mata esconde e baralha coisas muito diferentes: 1) que as hortas a atribuir pela CML serão arrendadas, portanto não serão públicas; 2) que as hortas destruídas esta semana eram de dois tipos: individuais e comunitária; 3) que os hortelãos da horta comunitária não foram convidados, mas obrigados a aceitar as condições impostas pela CML (e a prova é que, querendo dialogar e negociar as condições dadas, não foram recebidos e foram simplesmente espoliados dos seus direitos).
2 -
DAM dixit: «A empreeitada em curso insere-se na criação da maior zona verde do centro histórico de Lisboa, projecto que foi aprovado em reunião de Câmara e como tal esteve em consulta pública, e que garante em definitivo a perpetuação das hortas urbanas naquele espaço, integradas num miradouro de uso público e que integra uma rede de água e abrigos comunitários para arrumos, tudo reivindicações de todos»;
É falso que o projecto «garante em definitivo a perpetuação das hortas urbanas naquele espaço», pois elas acabam de ser destruídas (a menos que o autor entenda que as 20 árvores de fruto arrancadas são ressuscitáveis); é falso que o projecto responda às «reivindicações de todos», quando a maior parte desses "todos" foi expoliada dos seus bens (primeiro pelos cortes sucessivos de água, e depois com destruição dos depósitos de água, dos bancos construídos, das árvores, das couves, etc. etc.) e por fim do direito a tomar parte nas negociações.
3 - É verdade e ninguém nega que «
O processo envolveu pelo menos 2 reuniões com todos os ocupantes, e o grupo que se queixa de não ter sido ouvido, veio a 2 reuniões, onde estavam todos os hortelãos que são, por isso mesmo, disso testemunhas». Mas...
4 -
DAM dixit: «A argumentação que gerou discórdia é simples: o grupo não aceita qualquer alteração daquele espaço que entendem ser deles. Daí em diante resolver faltar às reuniões convocadas pelo próprio Vereador Sá Fernandes.»
Ao contrário do que DAM afirma, o grupo da horta comunitária sempre se mostrou aberto a negociar as condições de reconfiguração do espaço - e continua aberto - tendo apenas faltada a UMA terceira reunião, por ter sido convocado na véspera à tarde da reunião na manhã seguinte, sem terem podido dar resposta imediata.
5 -
DAM dixit: « A discussão do projecto envolve grandes talhões de hortas, com cerca de 90m2, em espaços terraceados de forma a contrariar o declive do terreno. É esta compartimentação do terreno que não cabe no conceito do grupo comunitário que entende ser direito seu a ocupação de terrenos municipais, vedá-los, enche-los de lixo e rejeitar toda a qualquer proposta de discussão. Sim, o espaço nos últimos tempos era uma lixeira e já não tinha culturas. Consulte-se as fotos e o abaixo-assinado de quase 500 pessoas circulava entre os moradores das redondezas. Dá-me ideia de que se prefere ouvir este grupo do que ouvir os moradores ou os outros hortelãos.»
É certo que a compartimentação (e arrendamento) dos espaços hortículas individuais não corresponde exactamente ao conceito de horta comunitária, aberta a todos e gratuita para todos; os hortelãos da horta comunitária defendem uma utilização do espaço democrática e aberta , e não vedada, como afirma DAM. Portanto, dizer que eles invocam o direito de «vedá-los, enche-los de lixo e rejeitar toda a qualquer proposta de discussão» é uma falsidade total. Também é falso que o espaço estivesse cheio de lixo; as imagens que DAM afixa são imagens da limpeza após a destruição: as paletes serviam para fazer socalcos em terreno íngreme e para outras construções, como compostores.
É um facto que o grupo comunitário «entende ser direito seu a ocupação de terrenos municipais» (e a Lei dos Baldios dá-lhes esse direito).
Existem de facto dois abaixo-assinados: um pela preservação da Horta do Monte, outro surgido recentemente que defende a destruição de uma horta alheia porque acham que é feia; ou seja, uns defendem o direito a fazer crescer comida e outros, sem ninguém os prejudicar, pretendem retirar direitos àqueles. Ao declarar a sua preferência, cada um define que espécie de pessoa é.
6 - É certo que «
À excepção deles, os outros hortelãos no local aderiram ao projecto, havendo uma pessoa que não quer continuar, por decisão própria». Será que isso autoriza a Câmara a desprezar as excepções que manifestaram desacordo?
7 -
DAM dixit: Com o diálogo extremado, notificaram-se todos os ocupantes para sairem do terreno. Essa notificação foi feita a este grupo que, a partir desse momento, preferiu agarrar-se a todas as questões legais como sejam considerar que a carta assinada não era "uma notificação como deve ser" ou que as reuniões que tiveram foi com pessoas que "não conheciam o processo". Este grupo, não sendo legalmente constituído e não tendo morada registada, foi também notificado por e-mail.
É falso que o diálogo se tenha extremado (nem depois da carga policial!). Os hortelãos da Horta do Monte continuaram e continuam à espera de ser recebidos pelo vereador Sá Fernandes, que lhes recusa resposta. Se Câmara não respeita os processos legais de notificação, quem respeitará? Pode admitir-se que uma instituição pública actue fora da lei? Se a lei (não) serve para defender os interesses e direitos dos cidadãos, que outro modo de defesa poderão eles usar? O grupo não precisa de ser "legalmente constituído" para ter direitos, são pessoas que utilizaram um baldio para fins agrícolas e com isso adquiriram direitos suficientes perante a lei.
8 -
DAM dixit: «Ontem a empreeitada implicou a primeira tarefa: limpeza do terreno. Apesar disso o Vereador Sá Fernandes insiste em poder falar com o grupo e tentar uma solução de compromisso no novo espaço.
O senhor Duarte d'Araújo Mata, que já trabalhou (ou trabalha ainda?) na Câmara Municipal de Lisboa, afirma que foi feita a "limpeza" do terreno; o uso do termo
limpeza como eufemismo de
destruição mostra o nível de demagogia de quem o profere. Se, como diz, «o Vereador Sá Fernandes insiste em poder falar com o grupo e tentar uma solução de compromisso no novo espaço» (o grupo não confirmou tal publicamente, pelo contrário), então o compromisso deveria ter sido negociado antes de destruírem tudo e batido nas pessoas que estavam a fotografar.
Aqui é que surge uma grande perplexidade: a que propósito a Polícia Municipal acha que pode bater nas pessoas?
9 - Para responder ainda às perplexidades (ou pouca inteligência) de DAM:
DAM dixit: «a) Pode um grupo defender a vida comunitária e a liberdade e ao mesmo tempo recusar todas as regras da vida em comunidade, quando estas não lhes convêm?»
A) O grupo que "defende a vida comunitária e a liberdade" não recusa regras nenhumas e continua na expectativa de negociar com a Câmara.
DAM dixit: b) Faz sentido que se defenda a ausência de regulamentação para os espaços, mas em seguida alegar que as notificações e outros passos processuais associados à limpeza do terreno não cumpram supostamente as regras legais?
B) O grupo não "defende a ausência de regulamentação", mas considera que essa regulamentação não deve ser imposta de cima para baixo, nem deve fugir ao cumprimento da lei.
c) Pode uma autarquia promover a qualificação de um espaço muito degradado, ainda para mais somando à legitimidade democrática, a vontade dos moradores e a concordância da Junta de Freguesia?
C) A autarquia ao destruir várias hortas produtivas não está a qualificar nada; nem tem, por via do voto, legitimidade para ignorar o diálogo com os cidadãos, nem para lhes destruir bens, nem para lhes bater; nem pode invocar a vontade de uns moradores contra os outros - só pode, nestas circunstâncias, negociar entre as partes para chegar a um compromisso, o que o vereador Sá Fernandes, do alto da sua autocracia, se recusou até agora a fazer.